Goste-se ou não da voz (eu gosto), Abrunhosa é uma marco na evolução da música ligeira portuguesa de inspiração R&B. O seu trabalho Viagens foi uma pedrada no charco.
Pode-se não gostar do seu ar um pouco cabotino, mas no circo mediático isso ajuda à notoriedade, sem a qual é difícil vender até a qualidade.
Aqui um dos seus trabalhos mais recentes...
10 comentários:
Nunca lhe achei gracinha nenhuma, e não me refiro ao cabotinismo. Se fosse por aí, as nossas listas de amores musicais ficavam reduzidas a metade.
É verdade que durante os primeiros anos não li o Lobo Antunes exactamente por causa disso, achava que daquele arbusto não podia sair grande coelho. Enganei-me redondamente e hoje é umas das minhas paixões literárias.
Com a música é diferente, ouvimos mesmo sem querer e avaliamos o que ouvimos.
E não gosto. Ou antes, nem para a frente nem para trás, ponto morto.
ML: Eu sei que o Abrunhosa cria muitos anti corpos. Mas penso que não é o seu caso. Você não gosta mesmo do poema romântico. E quanto a isso nada a fazer. Eu e o Rafael (posso falar por ele pois somos íntimos amigos - aliás não os tenho de outro género) somos dois inveterados românticos, logo muito sensíveis às histórias de amores perdidos e encontrados, que o Abrunhosa, e outros que por aqui tem passado, escrevem.
Aqueles standard americanos do "musical" que o jazz cantado e não só, tanto usa, são como pão para a boca destes dois melosos, bem como as Elis, Simones, Gal, Caetano e Jobins da MPB.
Por isso (isto só para mim) o amor batido do rock (yea baby) não me deixa saudades...
Eurico muito agradeço a tua amizade, carinho e conselhos sábios, que ao longo destes últimos anos partilhamos. Efectivamente o Jazz (e a MPB) com toda a sua carga emocional/passional e não só, liga-nos para o resto das nossas existências. Muitas das emoções que mencionaste são a mais pura verdade, contra isso nada podemos fazer, amamos as coisas com uma sensibilidade diferente. Não que seja melhor ou pior que a dos outros congéneres, é a nossa maneira...
Gostar com liberdade, abertura, pluralidade e clareza, só assim as coisas fazem sentido, pelo menos para mim (e sei que para ti também é assim). A Universalidade da música em geral, e a do Jazz em particular (no nosso caso), aproxima os Homens, esclarece e eleva os espíritos. Essa é a minha/nossa, maneira de ver e sentir...
Em relação ao Rock, Pop e outros géneros musicais, confesso que tenho muito carinho, e oiço, com muito agrado e puro prazer. A Música é demasiado importante para mim, sob todas as formas e maneiras de expressão, faço dela ou pelo menos tento fazer doutrina de vida.
Eurico, está de novo a incorrer em pressupostos out of the blue. Se dissesse que não gosto do registo musical romântico, ainda vá, está muito perto da verdade, mas não meta os poemas nisso.
Como já lhe disse uma vez, há furiosas canções rock que são furiosas canções de amor. Não são é obrigatoriamente clichés, por vezes confundem-se as duas coisas.
ML:
Se assim é então me diga de que parte de Abrunhosa não gosta: da voz, da música ou do poema. Por outras palavras; se o tema fosse com outra interpretação captaria a sua atenção? Ou teríamos de lhe extrair a música para que tal aconteça?
Quanto às furiosas canções de amor, para mim (um português suave) não valem. Gosto mais do amor sussurrado. Pode até parecer cliché mas, como diria Pessoa, pela mão de Álvaro de Campos: Todas as cartas de amor são Ridículas...
Talvez as baladas românticas também, acrescento eu...
Caro Eurico, do que não gosto mesmo no Abrunhosa é principalmente a maneira de cantar, tipo rap. É claro que é uma defesa inteligente por não ter voz para muito mais, mas pelo facto de ser uma estratégia bem sucedida para ele, não me faz a mim gostar mais daquilo que ele canta. Deste ponto de vista, as letras são secundárias, até porque ele tem outras muito hard e não é por isso que me agradam mais.
Por muito estranho que lhe possa parecer, para mim numa canção o primeiro impacto é com a música e com modo como o cantor a interpreta. Ritmo, tom de voz, referências, capacidade de passar emoções. E aqui, a adesão ou não do público é muito pessoal, não há variáveis intrinsecamente boas ou más, acho eu, tudo passa pelo gosto.
As letras podem ampliar essa sensação de prazer ou não, mas constituem um segundo passo no processo. Se assim não fosse, mal estariam as peças instrumentais ou o fado no Japão. Não entendem puto mas gostam muito.
Não misture cartas de amor ou manifestações privadas com o que é ou pretende ser arte. O Fernando Pessoa disse o que disse mas, por muito romântico que fosse – e desconheço se era ou não – teve a preocupação, que ele achou relevante porque até teorizou sobre isso, de não deixar passar esse tipo de expressão romântica para a poesia.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Portantus… encaramos estas questões de modo muito diverso, realmente.
Cara ML. Chegamos a uma base de acordo quanto ao processo de abordagem de um canção.
Por isso interpretes como Cohen, cuja voz era pobre e a música paupérrima nunca me despertaram o interesse, no imediato, e só pela poesia os consegui ouvir mais tarde.
Mas você pegou na chave do problema que reside exactamente não no inicio da quadra de Pessoa, mas no fim:
...chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Abrunhosa faz isso e, por vezes, muito bem, como fica claro na peça que apresentei... penso eu de que...
Rafael pá! Tamos aí, cara!
Pro pior e, de preferência, para o melhor...
Só tenho pena que não venhas até ao Sul, encher esse pavilhões auditivos com as pérolas que eu tenho adquirido ultimamente...
Qual é a desculpa agora?
Grande abraço!!!
Mas eu não afirmo que o Pessoa não era romântico. E seria, todos somos, o modo como o exprimimos é que difere de pessoa para pessoa e no fundo é disso mesmo que estamos a falar.
Os versos limitam-se-se a expor o que Pessoa pensava da expressão desse romantismo: sê lá o que tu quiseres e no grau que quiseres, mas quando transformares isso em arte, distancia-te. Limita-te a fingir que és o que realmente és.
É uma posição estética, claro. Brecht tb cultivou este distanciamento, agora no teatro em relação à representação do actor. E o Mário Viegas igualmente, afirmava sempre ser um 'dizedor' de poesia e não um declamador, que já implica uma interpretação emocional.
Mas não era disto que eu falava, é uma questão que nos levaria para outro campo, mas sim das razões porque digo nim ao Abrunhosa. É mais uma questão de forma do que de conteúdo. De conteúdo não é mesmo. Gosto de canções com cada letra...
Mas já sei que o meu pecado original é o não apreciar jazz, mas quanto a isso...
ML: Desse pecado nem sei se algum deus a poderá redimir...:)
Mas ainda voltando ao Abrunhosa a ML chegou onde eu queria. Tenho amigos e conhecidos que não suportam o homem e ficam tão eriçados que nem conseguem ver a qualidade do que ele faz. E é isso que me eriça. Nunca comprei um disco dele, pois nem é mesmo a minha praia, nem acho que os ares dele o favoreçam, mas sou capaz de reconhecer o valor da música e da letra. Quanto ao homem ... parvo não é.
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