Apetece-me deixar aqui uma nota autobiográfica que, de certo modo, responde a alguns amigos que me perguntam qual a música da minha preferência. Fico quase na situação de, ao observar uma noite estrelada, ter de escolher qual a estrela que prefiro.
A música sempre me fez sonhar acordado. Tenho gravações, no velho vinil, que quase se gastaram, de tanto serem ouvidas. Uma delas, que já deixei para o meu filho, foi o álbum de Miles Davis, Nefertiti. Comprei a edição em CD e continuo a ouvi-lo.
Não sei explicar porquê, mas a audição dos temas Nefertiti e Fall desse album, sempre me fizeram sonhar com o mar. Viajar sem destino num mar calmo de verão, longe da costa, tendo por companhia o remorejar do casco, cortando as águas, e o piar das gaivotas voando sobre mim por puro prazer. Por certo o seu autor, Wayne Shorter, nunca se meteu num barco e isso prova que a música nada significa para além dela própria.
Muitos anos decorreram até poder concretizar esse sonho mas, já depois dos 50, pude aliar esses dois supremos prazeres: vela e jazz. Nada mais sublime que realizar um sonho. Velejar ao som de Miles, nesse clima de contemplação e liberdade que as composições de Shorter, pontificadas pelo piano de Herbie Hancock e pela bateria de Tony Williams, deram a este final da época acústica de Miles. Só lamento que essa experiência não tivesse sido partilhada por outras almas, mas faltava sempre um elemento comum; estavam indisponíveis, não gostavam de Miles ou enjoavam...
Porquê esta história agora? Quando acordamos de um sonho temos necessidade de o partilhar com outros, sem entender que um sonho não pode ser partilhado.
Aqui apenas posso partilhar a música:
No original :Nefertiti
e na versão de um talentoso e desconhecido pianista:
Para ouvir 30 segundos de cada tema do álbum ou para comprá-lo clique aqui
A música sempre me fez sonhar acordado. Tenho gravações, no velho vinil, que quase se gastaram, de tanto serem ouvidas. Uma delas, que já deixei para o meu filho, foi o álbum de Miles Davis, Nefertiti. Comprei a edição em CD e continuo a ouvi-lo.
Não sei explicar porquê, mas a audição dos temas Nefertiti e Fall desse album, sempre me fizeram sonhar com o mar. Viajar sem destino num mar calmo de verão, longe da costa, tendo por companhia o remorejar do casco, cortando as águas, e o piar das gaivotas voando sobre mim por puro prazer. Por certo o seu autor, Wayne Shorter, nunca se meteu num barco e isso prova que a música nada significa para além dela própria.
Muitos anos decorreram até poder concretizar esse sonho mas, já depois dos 50, pude aliar esses dois supremos prazeres: vela e jazz. Nada mais sublime que realizar um sonho. Velejar ao som de Miles, nesse clima de contemplação e liberdade que as composições de Shorter, pontificadas pelo piano de Herbie Hancock e pela bateria de Tony Williams, deram a este final da época acústica de Miles. Só lamento que essa experiência não tivesse sido partilhada por outras almas, mas faltava sempre um elemento comum; estavam indisponíveis, não gostavam de Miles ou enjoavam...
Porquê esta história agora? Quando acordamos de um sonho temos necessidade de o partilhar com outros, sem entender que um sonho não pode ser partilhado.
Aqui apenas posso partilhar a música:
No original :Nefertiti
e na versão de um talentoso e desconhecido pianista:
Para ouvir 30 segundos de cada tema do álbum ou para comprá-lo clique aqui
19 comentários:
Caro Eurico Moura,
A mim, parece-me que de há já bastantes anos o Jazz anda um bocado por baixo.
... defeito meu?
Caro RoD
Cada um tem a sua sensibilidade...
Para mim nunca andou tão por cima.
As fusões a que foi sujeito e a malta nova, até em Portugal, tem trazido uma frescura ao Jazz que o faz ser o estilo musical mais actual e rico.
Deixe-me verter um pouco as minhas mágoas.
Há muitos anos que não consigo ouvir (gravação recente) uma cantora jazz que me encha a alma.
Oiço instrumentais que me parecem saídos literalmente de cabeças de sintetizador.
Parece-me que a malta que toca fica feliz pela perfeição técnica mas não pela música propriamente dita.
O bicho homem tem idiossincrasias e a música deveria te-las por arrastamento.
Isto não o alegra? http://portudo-e-pornada.blogspot.com/2009/09/in-your-eyes.html
ou isto: http://portudo-e-pornada.blogspot.com/2009/02/enquanto-ha-esperanza-ha-vida.html
Admito que posso estar a ficar esquisito, mas eu sou mais disto:
http://www.youtube.com/watch?v=PbL9vr4Q2LU
.
Claro! Mas se só comermos caviar beluga, morremos de fome...
Tá bem. Habituei-me mal.
Olhe esta:
http://www.youtube.com/watch?v=mzNEgcqWDG4&feature=related
... não é jazz, há fífias na orquestra, deve estar com uma pedrada qualquer mas, chiça.
Até as fífias soam a humano.
Nã! Isto já não me titila...
Você, musicalmente, parou no tempo.
Não há ninguém vivo que o convença?
Ouça com atenção o jovem de 13 anos que eu mostro ao piano com a Nefertiti. !3 anos!
Eu aposto na malta nova que emerge com carradas de talento.
EM:
"malta nova que emerge com carradas de talento."
Isso é verdade. Mas a malta nova tem pela frente uma formidável barreira. A barreira formada pela enorme quantidade de gurus que ou partiram ou para lá caminham.
Eu suponho que a malta nova lida mal com esse legado e parece-me que tentam rodeá-lo tentando evitá-los ou, quanto muito, redesenhá-los apesar de os não terem bebido suficientemente.
O resultado parece ser carradas de talento inconsequente porque esse talento parece não se conseguir consubstanciar em algo concreto. Não poucas vezes me parece que tentam reinventar a roda.
Fico ainda, frequentemente com a impressão que a malta nova que toca um género não ouve música desse género. Toca o que toca mas de corpo presente e alma distante.
Numa coisa eu posso concordar; não se volta a repetir tão cedo a onda de criatividade dos anos 70 e 80.
Onda essa que foi contestada pelos purista conservadores, no jazz e noutras formas de arte. Mas isso tem a ver com a onda libertária que mudou a sociedade de alto a baixo. Mas parece-me que o meu amigo não a viveu muito intensamente.
Não acredito que tal se volte a repetir sem que uma profunda crise se abata sobre a sociedade de consumo capitalista.
Mas voltando à alma. É precisamente aí que eu discordo. Vejo muitos jovens com alma e tradição e tenho apresentado aqui, e continuarei a apresentar, exemplos disso. Veja o que se passa em El Sistema. Ou só o cheiro a Chavez basta para o afastar? O homem até nem se aproveita disso para se promover. Se fosse aqui já o Sr. Engenheiro tinha feito inúmeras aparições a beijar as criancinhas devotadas à música.
"Veja o que se passa em El Sistema."
Ora, isso mesmo. Tinha-me esquecido de acabar esse assunto. Vi metade, tive de interromper mas vou voltar à carga. Do que vi gostei, mas falta o resto.
O jazz nunca me ‘agarrou’ totalmente, a não ser o das big bands de New Orleans e de algumas coisas de um ou outro intérprete. Não sou uma consumidora regular, portanto.
Aqui em casa há muito jazz, mas confesso que pouco foi comprado por mim. E o que foi provavelmente nem jazz deve ser, não sei, mas é do que gosto, e anda mais pelas franjas ou pela fusão de franjas, como o Ginger Baker, a Nina Simone ou o jazzy Van Morrison. Não serão os Vascos da Gama do jazz, mas é o que me satisfaz para consumo pessoal.
Também me pelo por covers, como as do Zé Eduardo Unit ou da Aretha. Ela é mais soul, mas dá um pezinho ‘round midnight.
Nada de muito cool nem ortodoxo.
E digo tudo isto porque o hábito de ouvir regularmente e o entusiasmo dos iniciados costumam operar maravilhas, mas comigo nunca se deu o clic como aconteceu com arranjos com que de início não ia mesmo à bola, como os riffs mais metaleiros. Agora dá-me um prazer imenso ouvir os U2, por ex., transformar totalmente a escrita de canções tradicionais.
Pode ser que o jazz também ainda me leve à certa, quem sabe?
http://www.youtube.com/watch?v=eqjM9TjQNdA&feature=player_embedded#t=65
ml.
Talvez venha a ser descoberto, com a sequenciação do genoma humano, o gene do jazz ;-)
A minha experiência começa por volta dos 12 anos. Um amigo da família ofereceu-me um disco de uma orquestra ligeira tipo Helmuth Zacarias, mas que tinha um som e uma marcação do tempo diferente. Mais tarde viria a saber que era swing.
Já era, como meu pai, um viciado da música, mas fiquei rendido aquele som. Aquele balanço, por vezes inesperado, tomou conta de mim. Comecei à procura de mais e o tal amigo forneceu mais vinil.
Nunca mais parei. Aquele compasso binário da música que os jovens ouviam à época dos Beatles (1, 2 esq. dir.), não me dizia nada. Para mim a música tinha de ter swing.
Aquela surpresa constante de ver o tempo dividido e marcado de forma irregular, acentuando os tempos fracos, era tudo o que eu queria ouvir.
Depois foi a Bossa Nova. Estava lá tudo e com melodias e poemas que me tocavam o espírito de jovem adulto.
A fusão do jazz com o samba e depois com outras cores, coisa que irritava os puristas, foi abrindo caminho para que eu olhasse para outras músicas que, antes, não me seduziam.
É orgânico. Ou se tem ou não.
Pelo caminho, arrastei muitos amigos, que no início resistiam, e depois se viciaram também. Arrastei o meu filho e os filhos das minhas mulheres, meus adoptivos. Aquela música maluca foi ganhando cidadania e hoje está em todo o lado infectando rock, pop, hipop, clássica...
É orgânico. Ou se tem ou não.
Só pode, porque então a Bossa Nova é que... não faz mesmo o meu género. Aquele tom grave e um tanto monocórdico não vai muito comigo. Mas para quem a grande paixão musical foi o Bob Dylan, nunca poderei dizer que não me agrada este ou aquele género, porque dou comigo a gostar de peças que se inserem no tal género que digo não apreciar.
Um dia fiquei aliviadíssima quando o José Duarte disse que não sabia o que era isso de gostar de discos, que ele gostava era de algumas faixas de alguns discos. É mais o meu caso, tirando o tal de Dylan, de quem acho que gostava de tudo. Um dia fui vê-lo ao Dramático de Cascais e foi a grande desilusão, aquela never-ending metamorfose de uma certa fase da carreira fê-lo apresentar em Portugal as versões mais horrorosas que alguma vez ouvi.
Desde miúda que ouço música, houve mesmo uma época em que passava as tardes esticada no chão a tirar as letras das canções, antes da net e do acesso a tudo. Punha o disco uma, duas, três, quatro vezes a girar até conseguir o que queria. Isto, para o mastigar do Bob Dylan, era obra.
Sempre em minha casa houve discos de estilos muito variados, mas acabei por me fixar mais no que se intitulava de ‘anglo-americana’, embora com grandes excepções caso a caso, como é a MPB, alguma francesa e mais uns casos avulsos. E cabo-verdiana, essa corresponde mesmo ao ‘meu ritmo’, seja lá isso o que for.
ML,
Parece que os gostos criam anti-corpos...
Nunca gramei o Dylan. Partilhava a sua postura política mas da música, nem pó. Aquela toada chateava-me. Faltava o tal balanço.
Agora aquela de você gostar de mornas e coladeras e detestar a bossa é que me intriga. Quem não gosta da Garota de Ipanema? Tom Jobim é, de longe, o compositor brasileiro mais ouvido no mundo.
Mas fica prometido que num post futuro vou incluir Horace Silver, pianista de ascendência e influência cabo-verdiana (Horace Ward Martins Tavares da Silva) num tema saído directo dos cânones da coladera
No comentário acima vou pelo Eurico Moura.
Mas também eu não gostando de fado gosto de ouvir Carlos do Carmo.
Até aos meus 40 anos desejei perceber a harmonia da bossa nova. Neste momento, não a percebendo (tecnicamente - os intervalos, etc), consigo tocá-la. Levei um par de empurrões de quem percebe da poda a sério.
Tendo aí entrado, passei a gostar ainda mais da dita porque, de alguma forma, passei a ouvir 'por dentro'(?).
Sei pouco de outras artes mas percebo que há coisas que não se conseguem apreender apenas contemplando.
Dito tudo isto, continua a gostar de Doors ... Led Zeppelin, etc.
É de facto um mistério...
O meu filho André é um apreciador de jazz, (desde o berço, coitado), fã de Pat Metheny, mas igualmente fã de Pearl Jam. Nunca consegui entender...
Para mim, para além do jazz e da clássica (que aprecio de uma forma diferente - eis a questão) apenas as músicas que utilizam aqueles acordes do jazz/blues de 7ª, me satisfazem realmente. Pink Floyd, Dire Straits, Seul Music (Motown), Santana, enfim um leque muito variado mas sempre com o mesmo "modo"
Outras músicas de cariz diferente como o fado (C.Carmo, Mariza) ou flamengo, ouço esporadicamente, mas com outra atitude.
Concordo com RoD quando diz que conhecer "por dentro" ajuda.
héhé.
Cá está. Eu abomino a Mariza e a outra caramela dos Valha-me-Deus.
.
Mais as coladeiras do que as mornas. E não detesto a bossa, a minha identificação depende muito da produção vocal e instrumental, mas no geral não é uma prioridade.
O que não me agrada mesmo é a música muito penteadinha e engravatada, atraem-me vozes e registos assimétricos. A minha última ‘aprendizagem’ musical foi na área de um rock mais pesadote, talvez por uma maior atenção (por vezes forçada) ao fenómeno, dado que o meu filho desde os 14 anos faz parte de bandas, como baixista.
É mais um caso a acrescentar à sua surpresa, pois é dele a maior parte da colecção de jazz que existe cá em casa. Acho que a malta mais nova consegue perfeitamente conviver com fronteiras mais diluídas e fazer pacificamente a síntese de géneros e estilos, e nem me refiro apenas à música.
A postura política do Dylan é que não é tão linear assim. Pode dizer-se que levou um décimo da vida a afirmar-se como estandarte, concretamente até ao festival de Newport, e nove décimos a declarar-se inocente. No entanto ficam as lyrics e continuo a achar que pouca gente, antes e depois dele, teve ou tem um cenário mental tão lúcido e libertário, embora me pareça que isso não corresponde exactamente ao dia-a-dia do sr. Robert Zimmerman. Mas não sei, deixei de o acompanhar.
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